16 Mai 2008
Nascida numa colocação de seringueiras, na cidade de Bagaço, no interior do Acre, Marina Silva trabalhou durante a infância e a adolescência no seringal junto com o pai e as irmãs. Trabalho esse que lhe rendeu uma contaminação por metais pesados e que só veio à tona na década de 1990. Foi companheira de luta de Chico Mendes e com ele fundou a Central Única dos Trabalhadores (CUT) do Acre em 1985, mesmo ano em que se graduou em História pela Universidade Federal do Acre, da qual foi vice-coordenadora até 1986. Ela é uma das principais vozes da Amazônia, tendo sido responsável por vários projetos, entre eles o de regulamentação do acesso aos recursos da biodiversidade. Desde 2003, ocupava o cargo de ministra do Meio Ambiente do governo Lula. Sempre defendendo os interesses da Amazônia e de seu povo, enfrentou inúmeros conflitos quando os interesses econômicos e desenvolvimentistas se contrapunham aos objetivos de preservação ambiental.
Há algum tempo, o governo federal criava o Plano Amazônia Sustentável - PAS - que, em parceria com governos da região amazônica, pretende organizar linhas de ação que visa aliar o desenvolvimento econômico e social com respeito ao meio ambiente. Em seu lançamento, no dia 08-05, Lula disse: “O importante é que tenha alguém isento para tocar esse plano. A Marina não é isenta; o Stephanes não é isento. Por isso, será o Mangabeira Unger”. Cinco dias depois, Marina, com todo seu histórico em defesa do meio ambiente, principalmente da região da Amazônia e depois de tantos desgastes contra o desenvolvimentismo que objetiva acontecer sem pensar nas questões ambientais, demitiu-se do ministério.
O que será do meio ambiente brasileiro sem uma pessoa com o histórico de Marina? Para o cargo, Lula indicou Carlos Minc, que chegou a negar tal proposta, mas aceitou. Sobre esta problemática e pensando no futuro do meio ambiente brasileiro, Marcio Astrini, coordenador no Greenpeace da área que se refere ao desmatamento, concedeu esta entrevista à IHU On-Line por telefone.
Confira a entrevista.
IHU On-Line – Que conseqüências a saída de Marina Silva do Ministério do Meio Ambiente pode trazer para o governo brasileiro?
Marcio Astrini – A meu ver, a saída da Marina é uma perda muito grande para o Brasil, para a questão ambiental e para o governo brasileiro. Afinal, ela, durante os seis anos à frente do Ministério, emprestou ao governo Lula uma imagem que nunca foi considerada. Depois desse período todo e depois de todas as derrotas que acumulou, tenho certeza de que o governo não merecia mais a imagem que a Marina representava à frente dele. Infelizmente, o mais prejudicado com isso é o país, principalmente porque o agronegócio no Brasil precisava levar a questão ambiental muito a sério devido à Marina. Na quarta-feira, tivemos a visita da primeira-ministra alemã, que veio ao Brasil exatamente conversar com o presidente e um dos pontos era saber qual o impacto na preservação ambiental que a plantação da cana para a produção de biocombustíveis poderia causar. Essa preocupação e essas questões eram motivadas com a presença da Marina Silva. A saída dela é uma sinalização de que o Brasil não dá essa importância toda, devido à questão da preservação ambiental, o que pode levar o país a ter algumas perdas econômicas, principalmente no mercado internacional.
IHU On-Line - Qual é a importância da agenda ambiental para o governo Lula?
Marcio Astrini – Não sei se o governo Lula tem uma agenda ambiental. Acredito que ele não conseguiu compreender ainda que a agenda ambiental faz parte da agenda de desenvolvimento do país. O Brasil tem uma grande vantagem competitiva na agricultura, no agronegócio, nas exportações de seus produtos. São esses produtos, inclusive, que fazem a balança comercial do Brasil ser positiva depois de tantos anos. A distância da vantagem competitiva do país, nesse setor, se deve muito às condições climáticas que temos, decorrentes do vasto e riquíssimo ecossistema e energia.
Grande parte das chuvas que geram energia para o país através das nossas centrais hidrelétricas, que abastecem a agricultura do país, são geradas na floresta amazônica. Cada vez que você derruba uma árvore dessa floresta, você perde uma pouco dessa vantagem competitiva em relação ao restante do mundo. O governo precisa compreender que não existe uma conta de desenvolvimento sem preservação. A conta deve ser positiva, precisa ter desenvolvimento com mais preservação. Assim, você garante o patrimônio e as vantagens competitivas.
IHU On-Line – Em sua opinião, como o meio ambiente brasileiro será trabalhado por Carlos Minc?
Marcio Astrini – O Carlos Minc é uma pessoa que tem um histórico muito grande, devido ao compromisso com a causa ambiental. Ele irá pegar, no governo, uma agenda bem difícil de ser cumprida. Ele deve conversar agora no dia 19 com o presidente Lula e, quando se sentar no ministério, deverá encontrar os papéis que a Marina não quis assinar e a levaram a renunciar. Então, ele não deve ter uma vida fácil à frente do ministério. O que tramita hoje na Câmara Federal é um projeto de lei escrito e defendido pela bancada ruralista que quer baixar a reserva legal da Amazônia de 80 para 50%, ou seja, para anistiar desmatador, terminar com áreas protegidas ou incluí-las no cálculo de reserva legal. Trata-se, portanto, de uma caixa de Pandora e de um desastre ambiental para a Amazônia, em relação ao qual o governo, em algum momento, terá de se posicionar a favor ou contra. Esse é um projeto polêmico e temos dúvidas em relação ao posicionamento do governo Lula. O novo ministro agora pega esse tipo de questão na sua gestão.
IHU On-Line – E como você vê a relação de Carlos Minc com os movimentos ambientalistas?
Marcio Astrini – Eu acredito que seu passado histórico mereça um crédito. Ele deu algumas declarações em que disse que irá manter a linha no caso de concessões ambientais e a linha de preservação ambiental como um quesito muito importante a ser configurado. Também afirmou que não será suscetível a pressões e liberações de grandes obras, o que é positivo. Trata-se de uma posição de quem respeita a lei e leva a questão ambiental a sério. No entanto, como eu disse, ele irá encontrar as mesmas pressões que a Marina encontrava dentro do governo.
IHU On-Line – O PAC é o projeto do qual o governo Lula mais se orgulha e mais se empenha para desenvolvê-lo. De certa forma, foi o desenrolar do PAC na Amazônia que desgastou a relação de Marina Silva com o governo. Com Minc, como esse impasse será resolvido, em sua opinião?
Marcio Astrini – O PAC faz parte do pensamento do governo. O grande problema é como o crescimento a que ele se propõe poderá acontecer. O movimento ambientalista não é contrário ao crescimento do Brasil, mas ele não pode ser feito a qualquer custo. Se você tem um ativo ambiental, que permite criar condições para esse desenvolvimento, você não pode renegar a proporção dele em segundo plano, porque assim faltam condições para o crescimento. Esperamos que o PAC passe a observar e levar a sério a questão ambiental e que o Plano Amazônia Sustentável, que tem ótimas intenções, se efetive. Isso porque, para a região amazônica, temos boas leis, boas intenções, mas que não estão sendo levadas para a prática.
IHU On-Line – Por que, em sua opinião, Marina foi excluída do Plano Amazônia Sustentável?
Marcio Astrini – Eu não sei lhe dizer. Mas a Marina é uma pessoa que formou toda a sua imagem, seu prestígio, a partir da sua defesa em relação à Amazônia. Na frente do ministério, ela sofreu diversas derrotas, como, por exemplo, na liberação de transgênicos no país, na construção da Usina de Angra 3 – em relação à qual esperamos que o governo volte atrás –, em relação ao rio Madeira etc. No final do ano passado, logo depois da repercussão da questão do aumento do desmatamento, ela lançou uma série de medidas, que foram anunciadas pelo presidente Lula, que visavam a conter o desmatamento na Amazônia. Um ministério que não tem dinheiro e ainda precise fazer todo o resto do governo entender que a linha de política ambiental não é uma linha do ministério, mas de todo o governo, sempre enfrentará grandes conflitos. É natural que, quando surgisse um plano que visasse a melhorias para a região amazônica, levando em conta todo o histórico da ministra, esse plano seria gerenciado por ela. Foi uma surpresa para todo mundo essa decisão de ser nomeado para tanto o Mangabeira Unger.
IHU On-Line – Em relação à questão ambiental, para o senhor, que tipo de governo é o nosso?
Marcio Astrini – Um governo que não consegue compreender que o meio ambiente brasileiro é uma das coisas mais ricas que compõe o nosso território. O problema da Amazônia não começou nesse governo, e a solução também não se dará nele. Mas as soluções precisam iniciar. A Amazônia deverá mais valor do que tem hoje, afinal ela presta um serviço ambiental muito grande para o Brasil, que tem uma essência muito positiva para nossa economia. Essa visão precisa ser vista com mais seriedade por todos os governos. Nunca existiu um programa efetivo naquela região. E essas questões ficaram relegadas a segundo plano porque o ministério do meio ambiente é um dos com menor orçamento dentro do governo. Esse dinheiro só virá quando o governo tiver uma consciência da importância da questão da preservação ambiental no Brasil.
FECHAR
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
O que será do ambiente brasileiro? Entrevista especial com Marcio Astrini - Instituto Humanitas Unisinos - IHU